Até parece que Raul Seixas, ao lançar seu famoso disco Gita, em 1974, era um visionário climático. Na faixa, “As aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor”, ele diria:
“Buliram muito com o planeta, o planeta como um cachorro eu vejo, se não aguenta mais as pulgas se livra delas de um sacolejo”.
A humanidade é esta pulga em um planeta agonizante. O denominado ponto de não retorno está próximo e parece que estamos no navio Titanic, ouvindo a banda tocar, enquanto a nau se precipita ao imenso e profundo desconhecido.
Lembro-me de uma manhã gelada em 1973, em Curitiba. Meu pai me deixou no ponto de ônibus às seis da manhã para ir à escola, e o termômetro marcava -7ºC. Estas mínimas nunca mais se repetiram na capital mais fria do país. Já não há invernos potentes e longos.
As mudanças climáticas são agora a nova realidade, mas, curiosamente, ainda não entraram na pauta dos candidatos nas eleições municipais. Políticas mitigadoras essenciais sequer são mencionadas nos discursos políticos.
Enquanto isto, presenciamos por todo o país cenas de crise climática. A calha da bacia Amazônica está criticamente seca. Uma nuvem de fumaça das queimadas da Amazônia e Pantanal descem para a região Sul, causando problemas respiratórios na população, por onde antes vinha a umidade através dos rios voadores.
Novos dados do MapBiomas, indicam que desde a chegada por portugueses em Pindorama, perdemos 33% da cobertura original dos nossos biomas. A Mata Atlântica foi reduzida a fragmentos menores de 12% de seu território. O agronegócio converteu o Cerrado, em mais de 50% de seu território e retira água do subsolo com seus pivôs centrais. No bioma Caatinga, muitas áreas já se converteram em deserto. O Pantanal sofre uma segunda onda de incêndios e calor. O Sul sofreu com excesso de chuvas, consequência de uma bolha de calor retida em grande parte do território brasileiro, e uma seca antes do esperado, transforma os rios da bacia amazônica em filetes da água, refletindo as severas mudanças do clima. Os oceanos também apresentam elevações de temperaturas com consequências catastróficas aos recifes de corais e outros ecossistemas marinhos.
No Acordo de Paris, em 2015, os países se comprometeram a limitar o aumento da temperatura global a 2°C para tentar conter a aceleração das mudanças climáticas. No entanto, de acordo com o banco de dados do Programa Copernicus, os primeiros dias com aquecimento de 1,5°C foram registrados naquele mesmo ano. A situação se agravou em novembro de 2023, quando pela primeira vez as médias diárias ultrapassaram os 2°C.
Se Raul Seixas ainda fosse vivo, certamente diria: Eu avisei!
Roberto Xavier de Lima – Diretor de Planejamento e Inovação da Neotrópica Sustentabilidade Ambiental, mestre em conservação da natureza, biólogo, escritor.