O Cerrado, queimando e cerrado

No dia 11 de setembro, se comemora o dia do Cerrado. Minha primeira experiência com o bioma foi em 1987, numa jornada de Curitiba (PR) a Xapuri (AC) de ônibus. Naquele tempo, embora ainda houvesse vastas áreas ricas em biodiversidade, o bioma já dava sinais de degradação, Macacos saltitavam à beira das estradas, e o atropelamento de animais nativos, como antas e lobos-guarás, era comum. O Cerrado ainda pulsava vida, mas já começava a ser queimado e “serrado”.

Esta mesma data, no ano de 2001, permanece marcada em minha memória. Naquele dia, eu iniciava uma nova etapa profissional, em uma viagem rodoviária de Curitiba a Brasília (DF), sem paradas. Estava me transferindo de bioma. Da Mata Atlântica, para o Cerrado. Viajava sozinho e, por isso, permaneci alheio ao ataque às Torres Gêmeas em Nova Iorque, – evento que chocou o mundo. Você se lembra onde estava naquele dia?

A “savana brasileira”, nosso Cerrado, originalmente cobria cerca de 23% do território nacional, espalhando-se por dez estados. Além de sua riqueza natural, desempenha um papel essencial na hidrologia, sendo conhecido como a “caixa d’água do Brasil”. Ele abriga nascentes de oito das doze principais regiões hidrográficas, além de aquíferos importantes, como o Guarani, o Bambuí e o Urucuia. Contudo, mais da metade desse bioma já foi destruído.

Os habitantes locais o chamam de “floresta invertida”. Suas árvores possuem raízes profundas que buscam água subterrânea. Durante as chuvas, funcionam como esponjas, absorvendo e liberando a umidade, garantindo a reposição e sustentabilidade dos lençóis freáticos.

Em 2021, trabalhando no Mosaico de Áreas Protegidas de Sertão Veredas-Peruaçu, conheci a Rede dos Povos do Cerrado, formada por Indígenas; Veredeiros; Quilombolas; Vacarianos, Apanhadores de Sempre Vivas; Geraizeiros; Catingueiros e Vazanteiros e outros grupos tradicionais. Eles lutam para proteger seus territórios, cada vez mais ameaçados pela expansão da monocultura de exportação, que prejudica a recarga dos lençóis freáticos e devasta a fauna e flora.

O agronegócio trouxe concentração de riqueza intensificando a degradação ambiental. Esse modelo econômico exporta recursos hídricos e expulsa comunidades tradicionais, secando veredas e comprometendo o ciclo das bacias hidrográficas.

Incêndios criminosos agravam ainda mais a situação, e o Cerrado, “serrado” perde sua capacidade de recarga hídrica, ameaçando a sustentabilidade das águas brasileiras.

Neste dia, é urgente refletirmos sobre a implementação de medidas eficazes de preservação do Cerrado, incluindo multas severas contra desmatamento, queimadas e exploração irresponsável dos recursos hídricos desse bioma tão essencial.

 

Roberto Xavier de Lima – Diretor de Planejamento e Inovação da Neotrópica Sustentabilidade Ambiental, mestre em conservação da natureza, biólogo e escritor.

 

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