Niède Guidon e o Dia do Meio Ambiente

A pesquisadora Niède Guidon nos deixou na véspera do Dia do Meio Ambiente. Arqueóloga e professora universitária brasileira, revolucionou a teoria sobre o povoamento do continente americano.

No início dos anos 1960, obteve de um morador do Piauí a informação de que, perto da cidade onde ele morava, havia também “pinturas de índios”. Ao mostrar-lhe fotos do sítio arqueológico, ela reconheceu de imediato que eram completamente diferentes de tudo o que se conhecia.

Em 1964, Niède foi estudar na França e, ao retornar em 1970 com uma missão francesa para estudar os indígenas de Goiás, retomou o interesse por aquela informação do Piauí.

Em suas pesquisas na Serra da Capivara, no Piauí, a arqueóloga encontrou vestígios de presença humana que, segundo seus estudos, datam de 60 mil a 100 mil anos. Guidon explicou que o Homo sapiens atravessou o oceano Atlântico vindo da África.

Por conta de uma grande seca ocorrida há 160 mil anos, povos teriam se lançado ao mar em busca de comida, sendo empurrados oceano adentro por tempestades. “O mar estava então 140 metros abaixo do nível atual, e a distância entre a África e a América era muito menor, com muito mais ilhas ao longo do caminho.” Um crânio humano estudado no sítio arqueológico apontou características africanas, e não asiáticas.

Após uma grande resistência por parte de estudiosos europeus e norte-americanos, agora tudo mudou, pois até nos Estados Unidos foi descoberto um sítio que comprova que o ser humano chegou às Américas muito antes do que se pensava.

O Parque Nacional da Serra da Capivara (PNSC) não tem nada igual no mundo. Por isso, foi reconhecido como Patrimônio da Humanidade, pela qualidade e quantidade de suas pinturas rupestres.

Graças à dedicação de Niède, o PNSC foi incluído na lista de Patrimônio da Humanidade da Unesco em 1991. Ela também foi uma das fundadoras da Fundação Museu do Homem Americano, responsável pela pesquisa do acervo natural e cultural da região.

Neste Dia do Meio Ambiente, essa grande brasileira amplia nossa noção de pertencimento ao território para além de 100 mil anos, demonstrando que a história do Brasil não começa com a visão eurocêntrica da invasão do território há 500 anos. São esses conhecimentos sobre quem somos — e sobre florestas tropicais manejadas por povos que aqui habitavam — que fazem parte do nosso patrimônio cultural como país, e que devem ser preservados para o futuro.

Niède conseguiu comprovar que, muito antes da ocupação das Américas pelo Estreito de Bering, há cerca de 15 mil a 17 mil anos, uma migração anterior proveniente da África já ocupava o território onde hoje existe o PNSC — e isso muda nosso conceito sobre a ocupação do território brasileiro.

 

Roberto Xavier de Lima – Diretor de Planejamento e Inovação da Neotrópica Sustentabilidade Ambiental, mestre em conservação da natureza, biólogo e escritor.

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