O que os povos Kaingang, Xetás e Xokleng, do Sul têm em comum com os Kayapós, Timbira, Ticuna, Yanomami do Centro-Norte do Brasil?
A resposta é a sabedoria no manejo de seus biomas, promovendo a domesticação e o melhoramento de espécies que consumimos sem imaginar sua origem ancestral.
Nos anos 80, ao iniciar meus estudos em etnobotânica, uma pesquisa sobre a pupunha (Bactris gasipaes), me chamou a atenção devido a seleção por populações indígenas para variantes sem espinhos.
No Sul do Brasil, estudos revelam que os Kaingang semeavam pinhões e erva-mate ampliando a floresta, enquanto migravam sazonalmente entre o planalto e o litoral subtropical.
No Amazonas, ao acompanhar a elaboração do Plano de Uso Público do Parque Nacional do Jaú em 2002, me surpreendi com diversos petróglifos visíveis apenas na baixa do rio Carabinani e os numerosos sítios arqueológicos ao longo da calha do rio Negro.
Novas tecnologias de sensoriamento remoto revelam traços de antigas populações amazônicas, com sistemas agroflorestais e densos assentamentos que reescrevem a ideia de uma Amazônia intocada.
Sítios arqueológicos datados entre seis e oito mil anos mostram que esses povos moldaram o ambiente, cultivando castanheiras, cupuaçu, graviola, cacau e diversas palmeiras, como açaí e macaúba. Bebidas estimulantes, como o guaraná, e xamânicas faziam parte desses sistemas, que, ao longo das migrações, amadureciam por sucessões naturais.
Essas descobertas desafiam a visão de um território de baixa densidade e evidenciam que essas florestas resultam de milhares de ano de manejo.
Árvores seculares, que hoje caem sob o corte das motosserras, muitas levaram quatrocentos anos para crescer. Diversos sítios arqueológicos ainda aguardam estudos, mas é inegável que os povos originários da América já manejavam com presteza os biomas que habitavam, muito antes do desastroso contato com os invasores europeus que hoje se acham donos da terra.
Esse conhecimento ancestral pode servir como base para um plano ambicioso de restauração, promovendo a recuperação de ecossistemas ameaçados, como a Floresta Ombrófila Mista, cultivada pelos Kaingang e outros povos, assim como diversos grupos ancestrais fizeram na Amazônia, no Cerrado e em outros biomas brasileiros.
Por que não consultar os sábios xamãs e caciques dessas comunidades, incorporando suas experiências ancestrais em estratégias de manejo e adensamento florestal a longo prazo? Com vontade política, podemos seguir esses saberes e restaurar nossas florestas em grande escala.
Roberto Xavier de Lima – Diretor de Planejamento e Inovação da Neotrópica Sustentabilidade Ambiental, mestre em conservação da natureza, biólogo e escritor.