Em julho de 1987, quando ainda era estudante, viajei durante quatro dias e quatro noites de ônibus, de Curitiba (PR) a Xapuri (AC), para adentrar pela primeira vez na Floresta Amazônica e conhecer Chico Mendes e outros importantes líderes do movimento dos seringueiros como Raimundão e Júlio Barbosa. Aquela experiência marcaria profundamente minha visão sobre a luta pela preservação da floresta e os direitos das populações tradicionais.
Um ano antes, por seu ativismo, ele fora agraciado com o prêmio Global 500, oferecido pela ONU por sua defesa do meio ambiente, impedindo o desmatamento da Floresta Amazônica.
Cansado da longa viagem, após um banho de igarapé fui ouvir atentamente a reunião de lideranças dos seringueiros, sobre a importância das Reservas Extrativistas – que seriam criadas apenas em 1990, por meio do Decreto nº 98.897. No cartaz pregado na parede, junto à minha mochila, aparecem Chico Mendes e Marina Silva, jovens candidatos a cargos eleitorais.
Conheci-o dias antes à frente da presidência do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri. Me acolheu na sede, tendo a paciência de explicar ao estudante urbano, detalhes da luta dos seringueiros, e dos “empates” que praticavam pacificamente para convencer os operadores das motoserras de pararem o corte raso de gigantes castanheiras.
Mais tarde, em 1988, já formado e atuando no Instituto de Estudos Amazônicos (IEA), em Curitiba, fui encarregado de recepcioná-lo e de organizar uma coletiva de imprensa local para que ele pudesse falar sobre sua luta contra o desmatamento. Lembro-me bem de uma jovem jornalista que, ao perguntar ‘por que os seringueiros queriam desmatar a floresta’, provocou um riso em Chico Mendes.
Com sua habitual calma e uma oratória impecável, ele transformou a confusão da novata em uma verdadeira aula magistral, explicando didaticamente que a luta dos seringueiros era, na verdade, pela preservação da floresta.
Naquele mesmo ano, sua crescente projeção internacional como defensor das populações tradicionais da Amazônia atraiu a atenção dos inimigos da floresta. No dia 22 de dezembro, ele foi covardemente assassinado por pistoleiros emboscados nos fundos de sua casa, a mando de latifundiários que promoviam o desmatamento do bioma.
Em 1989, retornei ao Acre para um treinamento em Pesquisa de Sistemas Agroflorestais, e pude perceber ao conversar com moradores dos mesmos seringais, a profunda perda que sentiam.
“Aqui no Acre, não nascerá mais outro líder como ele”, – diria uma idosa seringueira, em sua fala triste.
O povo do Acre, que se orgulhava do conceito de “florestania”, se deixou levar por sucessivos governos retrógrados. Embora o Acre mantenha 87% de sua cobertura florestal, a Reserva Extrativista Chico Mendes, por exemplo, criada em 1990, na região que conheci, sofreu severamente danos em sua cobertura florestal.
Que possamos elevar Chico Mendes a um dos Heróis da Pátria, escrevendo seu nome no Panteão, por sua defesa da vida e da floresta em pé.
Roberto Xavier de Lima – Diretor de Planejamento e Inovação da Neotrópica Sustentabilidade Ambiental, mestre em conservação da natureza, biólogo e escritor.